“AFINAL, O QUE FOSTES VER?”
Aloysius Gentil*
Neste período de expectativa de realização da Jornada Mundial no Rio de Janeiro, em 2013, muitas reflexões estão sendo feitas sobre o significado deste evento para a fé dos jovens católicos em uma sociedade secularizada. Trazemos hoje a experiência de Aloysius Gentil que participou das últimas três JMJ: Colônia, Alemanha (2005); Sidney, Austrália (2008) e Madri, Espanha (2011).
“O que fostes ver no deserto?” Estas palavras de Jesus, segundo o evangelista Mateus, no capítulo 11, versículo 7 do seu livro, ao se referir à figura inquietante e provocadora do precursor João Batista, pode muito bem nos servir de referência ao relatar aqui um pouco da experiência em participar de mais uma Jornada Mundial da Juventude. Esta mensagem, própria do tempo do Advento na liturgia, quando se prepara a comunidade cristã para a celebração do Natal, encarnação do Filho de Deus, nos conduz, portanto, ao seguinte questionamento: afinal, o que fostes ver na Espanha?
Uma cultura secular que atrai milhares e milhares de turistas a cada ano? Talvez, pois lá estão cidades bem preservadas da forma como eram na Idade Média, dignas de uma visita mais demorada para conhecer cada detalhe de sua história. Exemplo disso são Toledo – e sua catedral esplendorosamente imponente – e Ávila, de Santa Tereza e São João da Cruz. Lá também estão os arcos e pórticos monumentais como a Porta de Alcalá e a Porta do Sol, em Madri. E outros tantos monumentos grandiosos aos reis e soberanos do passado imperialista e conquistador espanhol. Sem falar no Museu do Prado, um dos mais importantes do mundo com seus Velázquez, Goyas, Boschs, Rembrandts, Ticianos, Botticellis, El Grecos e tantos outros nomes essenciais da arte mundial – e até mesmo o marcante “Descendimento da Cruz” de Caravaggio, cedido pelo Museu do Vaticano por ocasião desta Jornada Mundial da Juventude em Madri.
Mas a pergunta se faz novamente, o que fostes ver na Espanha? Um país que atravessa uma crise econômica que já produz seus efeitos mais crueis como mendigos nas ruas, no metrô e em diversas manifestações de grupos indignados pela falta de atitude adequada por parte das autoridades para resolver o problema? Em grande parte sim, pois o modelo capitalista, baseado na perspectiva do lucro, carece de sentimentos humanitários, que na visão de muitos governantes e líderes mundiais, é só mais uma crise cíclica do sistema que será superada – mesmo à custa de muita vida destroçada pelo caminho. Ainda segunda essa visão, numa atitude de consolo (?), a crise terá um fim – até a próxima surgir e fazer novas vítimas. Mas aí, quem sabe não será mais problema nosso, pensam eles. Isto sim, vimos e vemos a cada dia pelo mundo a fora, não só na terra ibérica.
A pergunta ainda não se cala, o que fostes ver na Espanha? Um grupo de manifestantes contrários à visita do papa? Sejamos sinceros e verdadeiros, sim, eles estavam lá. No entanto, restritos a um pequeno número de 4.000 ou 5.000 que praticamente desaparecia diante da imensa multidão de mais de 2.000.0000 de peregrinos, de fora e da própria Espanha, que com alegria, respeito, solidariedade, mas acima de tudo movidos por uma fé autêntica deram um exemplo ao mundo de que o Cristianismo é a religião do AMOR e do LIVRE ARBÍTRIO, portanto do respeito ao diferente e às mais diversas formas de manifestação próprias da liberdade humana. O que nos incomoda é que a imprensa brasileira, numa visão totalmente distorcida e mal focada, atribuiu a este pequeno grupo, que foi autorizado pelo governo espanhol de se reunir numa das muitas praças de Madri, uma importância muito maior do que de fato tiveram. Isto talvez pela forma violenta e provocadora com que algumas pessoas destes grupos agiram em algumas ocasiões. Lamentável!
O que fostes ver na Espanha? Um debate sobre o Estado laico e o financiamento público de eventos religiosos como a Jornada Mundial da Juventude? Talvez muitos dos que lá estavam puderam acompanhar esta discussão sim. Pois ela ocorria, paralela ao evento, na TV, no rádio, nos jornais impressos, na internet, nas ruas, estações de trem/metrô. Era de se esperar, pois num país de certo nível educacional como a Espanha, as questões públicas dizem respeito de fato aos cidadãos como um todo e não somente a alguns poucos privilegiados como acontece em outras partes do mundo – e infelizmente, nosso país certamente se coloca junto a este grupo. Por isso mesmo, a informação deve ser melhor apresentada: dos gastos de uma Jornada – segundo o órgão da Santa Sé responsável pela sua organização –, em torno de 70% vem das inscrições dos peregrinos e 30% de empresas patrocinadoras. Cabe ao Estado prover, nos limites do que lhe compete, a segurança, a ordem, o atendimento médico e a adequação dos espaços públicos para a realização de um evento desta magnitude que, num espaço de tempo menor, movimenta mais gente do que Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Isto sem falar na presença de um chefe de Estado (Vaticano) como o papa e na consequente geração de renda que o fluxo de turistas acaba gerando.
Uma vez mais, o que fostes ver na Espanha? Uma tempestade típica do verão espanhol? Também ela aconteceu sob um calor de quase 40 graus, com direito a uma ventania que levou os peregrinos a temerem pelo pior, o que fez suscitar gestos de solidariedade e partilha de todos os lados quase na mesma velocidade dos ventos. De modo especial entre aqueles que tentando participar da vigília, no encerramento da Jornada, não puderam entrar na área – de sugestivo nome – reservada para este fim, o Aeródromo de Quatro Ventos. Muitos lugares viraram abrigo: posto de gasolina, marquise, ponto de ônibus, árvores. Enfim, o espírito de peregrinação falou mais alto, pois, para muitos não havia “lugar onde reclinar a cabeça”.
Vimos sim, vimos tudo isso e muito, muito mais! Vimos um evento religioso reunir mais de 2 milhões de pessoas – jovens em idade e em espírito, enviados em nome de grupos, pastorais, movimentos, em delegações representando suas dioceses, ou mesmo por conta própria, individualmente (e éramos muitos nesta condição!) – no seu final, depois de ter movimentado praticamente o país inteiro durante mais de 15 dias, contando a Pré-Jornada nos dias nas Dioceses. Vimos também múltiplas manifestações, das mais variadas culturas, em torno de uma mesma fé. Vimos, pelas diversas bandeiras de países tão diferentes e distantes uns dos outros, que o mandato de Cristo “ide por todo mundo” está se cumprindo, mas que ainda precisa, pelos desafios que são enfrentados, de mais e mais testemunhos por parte de seus fieis seguidores. Vimos também grupos e artistas de várias partes do mundo expressar através da música e da dança, seu louvor ao Deus da vida, plena de vigor e entusiasmo. Vimos uma legião de voluntários de todas as origens e línguas que, com sua boa vontade em ajudar, orientou a muitos e, mesmo quando impotentes ou limitados em sua ação, se colocaram como um peregrino a mais no meio da multidão em busca de um rumo seguro.
O que fostes ver? O sucessor de Pedro? Por que não? Lá estava também ele, Bento XVI com todo seu vigor doutrinal propondo aos jovens que se mantenham “firmes na fé, enraizados e edificados em Cristo”, como nos lembra Paulo numa de suas cartas e que, como lema oficial do evento, serviu de orientação a tantos momentos de partilha e reflexão, conduzidos por bispos de todo o mundo nas Catequeses. A mensagem paulina se rejuvenesce, pois o mundo tenta se fundamentar em outros valores e princípios, que devem ser questionados pelo testemunho cristão cada vez mais exigente.
Mas afinal, o que fostes ver em Madri, na Espanha? Com toda certeza podemos afirmar: fomos ver o Cristo vivo, ressuscitado, presente em nosso meio, na pessoa do irmão, com seu rosto jovem que nos renova a esperança no futuro, já presente, da Igreja no mundo. O Cristo que se dá como alimento eucarístico, que exposto em adoração em diversos ambientes e ocasiões fez nascer/renascer em cada peregrino o desejo de também se fazer entrega e doação. Os dias de jornada em Madri nos revelaram exatamente isto. Da mesma forma que o precursor João Batista em sua ação revelou sinais extraordinários de uma realidade superior àquela que se manifestava através de si, também os sinais vindos da Espanha, em especial de Madri, não se esgotam em si mesmos, mas nos apontam para a maior de todas as verdades reveladas pelo Pai criador, abençoado pelo Espírito santificador, o centro único de nossa fé, o AMOR em sua plenitude e totalidade: JESUS CRISTO!
E agora? Que todos venham ver esta celebração de vida e juventude no Rio de Janeiro, aqui no Brasil. E podem ter certeza, saberemos partilhar de nossas limitações e fragilidades, mas muito mais ainda saberemos abrir nosso enorme coração acolhedor, que irá receber a cada um na Jornada Mundial da Juventude, em 2013. Até breve! Até lá, “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações” (Mt 28, 19).
*Professor de História – Inhapim